domingo, 20 de novembro de 2011

Sobre Ribamar, de José Castello, por Zeny Belmonte



O jornalista, crítico literário e escritor José Castello é um dos nomes mais conhecidos e respeitados no meio literário brasileiro. Seu último livro Ribamar, vencedor na categoria romance da 53ª edição do prêmio Jabuti, vem confirmar tudo o que já se sabe sobre a solidez da sua trajetória profissional, sobre a paixão que nutre pelas letras desde que se conhece por gente.

A luta pela sobrevivência no início da carreira não lhe deixava tempo para mostrar o seu talento como escritor, ainda mais num país como o nosso, onde poucos sobrevivem exclusivamente desse ofício. Enquanto a disponibilidade não vinha, Castello não se limitou a acumular apenas experiência profissional, enriquecendo-se também como pessoa ao cultivar amigos intelectuais arredios como Ferreira Gulart, dentre outros.

Para quem o conhece, é difícil separar o José personagem do José autor, já que ambos possuem certas características semelhantes, como a capacidade de enxergar as pessoas por dentro, ver e sentir coisas que ninguém mais percebe.

Ao ler Ribamar ocorreu-me uma questão levantada durante um dos tantos encontros literários que frequentei. Do que você quer falar quando se propõe a escrever um livro de ficção? A resposta a essa pergunta ficou muito clara depois de ler essa obra. Eu não lembro de ter tido algum problema de relacionamento com meu pai. Ao contrário, havia uma grande cumplicidade entre nós e bastava um olhar para que um lesse o pensamento do outro. Por que então, fiquei perturbada como se meu interior tivesse sido remexido trazendo à tona experiências e sentimentos que não foram por mim vivenciados?

A grande pegada de Ribamar está no personagem José que, falando na primeira pessoa, faz do leitor um confidente, um cúmplice. Confia-lhe sem restrições mas ao mesmo tempo sem exageros, com elegância, sentimentos inconfessáveis como a repulsa, a não aceitação da decadência física da velhice numa pessoa tão próxima como o pai. Outro tema abordado com propriedade por José Castello em Ribamar, é a incomunicabilidade do amor entre pai e filho, o mesmo de Franz Kafka em Carta ao Pai, livro amplamente citado na obra. Mas as semelhanças acabam por aí. Castello não pega nada emprestado de ninguém, nem se apropria de nada que não seja seu. Ele tem uma linguagem própria, uma voz interior só sua ao partir de experiências pessoais para escrever ficção. Não é à toa que o título do livro seja o mesmo nome do seu pai na vida real e que o personagem principal se chame José, assim como ele. Coincidências à parte, não se trata de um livro de memórias segundo o autor. O título é a forma que encontrou para homenagear a memória paterna.

Em Ribamar, José tenta se livrar da sombra do pai que o incomoda mesmo depois de morto. Ele decide então, fazer uma viagem em busca das raízes desse homem de personalidade forte que não o compreendia, mas que certamente o amava a sua maneira.

A decepção por não encontrar quase nada a seu respeito leva o leitor a se perguntar se Ribamar teria sido tudo aquilo mesmo ou seria apenas o retrato carregado feito sob a ótica de uma criança sensível e introspectiva como José.

Candidatos a escritores podem tirar de Ribamar preciosos ensinamentos. Como aprofundar de um personagem é um deles, a ponto do leitor se identificar com um José humano, gente com a gente. Ao atingir esse nível de interação o autor laça o leitor que se sente compelido a acompanhar o desenrolar da trama do começo ao fim, a caminhar junto com o personagem José na busca das raízes de Ribamar, que no fundo representaria a sua libertação dos fantasmas da infância que ainda o perseguem mesmo depois de adulto.

Ao ler Ribamar, sente-se toda a experiência do autor que trata de assuntos diferentes nos vários capítulos, sem que o livro pareça uma colcha de retalhos soltos ou mal alinhavados. Num trabalho paciente de artesão, Castello valeu-se da partitura da canção de ninar Cala Boca que seu pai costumava cantar para ele quando criança de colo, e que ele resgata ao ouvir a mãe cantar num dos muitos encontros recentes entre os dois, surgindo-lhe daí a idéia de usá-la como elemento de ligação entre os capítulos.

Com a humildade e o cuidado de um iniciante, Castello aguardou quatro anos para publicar o livro, fazendo-o somente quando julgou que estivesse pronto numa demonstração de que ninguém nasce escritor. Trabalho, dedicação e persistência são qualidades importantes para o êxito de quem busca o tão sonhado reconhecimento nesse oficio, e que nesse caso veio a passos lentos porem sólidos de um Jabuti.

Zeny Belmonte é jornalista e escritora, ganhou o Prêmio Talentos da Maturidade (Literatura), em 2009.

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