sexta-feira, 30 de março de 2012

VOCÊ CONHECE O QUIXOTE DE LA MANCHA?

El hombre de la Mancha




Será que o Quixote de la Mancha é somente um personagem criado por Cervantes na sua novela? Ou deveríamos dizer no primeiro romance que o mundo conheceu, como alguns consideram a obra?

Há poucos dias, ouvi de uma pessoa desiludida que o Quixote não existe mais. Não existe. Está passado de moda. Escondido em um baú escuro e úmido. O Quixote é coisa do passado.

Será? Ou talvez nossos olhos não foram treinados para descobrir os quixotes nas ruas da cidade, nos barzinhos do Largo, nas salas do Belas Artes, diante de um quadro no Museu Niemeyer, na livraria de usados buscando um título quase desconhecido, na noite de autógrafos lançando um livro para meia dúzia de pessoas, encostados nos vidros das agências de turismo olhando os cartazes com os olhos do desejo, procurando um vestido de noiva em algum atelier, olhando uma bola de futebol e sonhando.

Interessante que eu não consigo ver o Quixote encaixotado em um gênero literário, abarrotado de estúdios literários, morto.

Eu vejo o Quixote, ou os quixotes, todos os dias: é o poeta que vende seu livrinho feito por computador na Rua das Flores; é o ator de teatro que quase morre de fome, mas persiste esperando o êxito de sua próxima peça; é o recém formado que sonha em fazer uma pós-graduação na Europa, ainda que esteja desempregado no momento; é o empreendedor que inicia um pequeno negócio, mas sonha que terá êxito internacional; é o esportista sentado no banco de reserva, mas sonhando com um jogo fantástico. Céus!

Este é um mundo de quixotes! E de sanchos!

Quixote enlouquece, outros bebem nos bares, fumam ou ingerem substâncias proibidas, são os quixotes que chegaram ao limite de suas forças. Não conseguem mais sonhar sozinhos. E não adianta que uma sociedade materialista, doente, consumista e hipócrita julgue os outros – não sem antes olhar o verdadeiro rosto no espelho. E não falo dos dentes brancos depois de tratamento, nem do rosto de photoshop, falo do verdadeiro rosto – esse que escondemos dos vizinhos. Já falava Jung que quanto mais reprimimos “a sombra”, mais ela se fortalece.

Vivemos em um mundo de sonhos desconcertantes e de realidades desconcertantes. Um mundo de vazio existencial, de medos, de máscaras, de fantasias. Um mundo de palavras e imagens. Um mundo no qual os quixotes nascem, crescem, envelhecem, morrem e nem sempre conseguem realizar os seus sonhos. Eles deixam algumas sementes de ideias. E novos quixotes nascem e tomam o lugar daqueles que se vão. Como lemos na letra “The Impossible dream”: “Tentar com os braços exaustos alcançar a estrela inalcançável”. É isso mesmo. Sonhar e batalhar. É sempre amanhã que os sonhos podem ser realizados.
Hoje é só dia de luta.

E o mundo seria melhor porque um homem desprezado e coberto de cicatrizes ainda luta com o que resta de sua coragem para alcançar a estrela inalcançável”.

Queridos leitores, existe algo mais “quixotesco” do que isso?

Isabel Furini é escritora e poeta premiada (e-mail: isabelfurini@hotmail.com), autora de “Eu quero ser escritor – a crônica”, da Editora Instituto Memória.

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