quinta-feira, 12 de setembro de 2013

PARIS SEMPRE É UMA FESTA


                Nesta época, na qual é tão fácil publicar um livro, é difícil encontrar um bom livro de crônicas. Ou seja, um livro interessante e bem escrito. Por isso chama a atenção dos leitores o lançamento de Evandro Barreto, Na Mesa Cabe o Mundo – De Paris ao bar da esquina, o gosto que a vida tem (Conexão Paris Editora, 2013, 134 p). O autor conseguiu imprimir um ritmo excelente às crônicas. Não é preciso esforço para realizar a leitura da obra – e isso é um trunfo para qualquer cronista.

                Já o escritor americano Ernest Hemingway eternizou essa fascinação que a cidade de Paris desperta nas pessoas com o livro “Paris é uma festa”, e Barreto, com um espírito mais prático, nos mostra a Paris da gastronomia requintada e até compartilha endereços para que os leitores viajantes possam conhecer esses locais.

A obra foi escrita de maneira estratégica, pois o autor desperta a curiosidade dos leitores falando de Paris, de gastronomia, de vinho, e até dando um pulinho na Inglaterra para informar em uma crônica que até Shelock Holmes comia lá. Vejamos um fragmento: “(...) Simpson’s-in-the-Strand. Integrado ao Hotel Savoy, de Londres, o Simpson’s existe desde 1828 e serve o roastbeef mais famoso do mundo, maturado por 28 dias e levado à sua mesa em carrinhos cobertos por grandes tampas de prata com mossas centenárias. O veículo é pilotado por um especialista no assunto, que parece trabalhar na casa desde a fundação”. Evandro Barreta dá uma pequena lista, para não cansar o leitor, de pessoas que passaram pelo local: “Segundo registros insuspeitos de Sir Arhur Conan Doyle, Sherlock Holmes era cliente assíduo”.

                As crônicas são ágeis e cativantes. Elas convidam à leitura. A linguagem é clara e o mérito de Barreto é não se deter demais nos assuntos. São textos de viagens e têm o movimento, a cor, o entusiasmo de uma viagem: “... antes de tomarmos na estação de Saint Pancras o trem que nos donduziria de volta a Paris em duas horas e poucos minutos, pelo Euro-tunnel.” Podemos perceber nesses pequenos fragmentos que a escrita acompanha o ritmo das viagens. Lendo surge a sensação de estar visitando esses locais, seja pela primeira ou pela vigéssima vez.

O viajante não é só o autor, mas também o leitor. Sim, o leitor é o convidado especial, ele contempla paisagens, saboreia bebidas, reconhece o sabor da boa gastronomia. “Meu caso de amor com os mexilhões começou na infância... Mais tarde vieram os mariscos da Catalunha”. Barreto sabe cativar o leitor, fazê-lo viajar nas palavras. Acontece que ele é publicitário e conseguiu passar o dinamismo e o olhar atento dos profissionais da publicidade aos textos.

Se você está acostumado a viajar ou se está preparando a primeira viagem à Europa, esse livro é leitura obrigatória. E se quer visitar esses locais com a imaginação, o livro também proporciona referenciais, dados, pequenos detalhes que ajudam a fazer a viagem maravilhosa. E talvez o mais importante é que terminamos a leitura com aquele desejo de ler novamente algumas das crônicas. Como um bom vinho o sabor dos textos permanece na memória.

                 “Na mesa cabe o mundo” tem um trabalho gráfico aparentemente simples, mas muito bem elaborado e revela a técnica usada no livro: simplicidade, detalhes eloquentes, enumerações precisas, enfim, um livro feito com muito cuidado para conquistar leitores. O livro pode ser adquirido no site:http://www.conexaoparis.com.br/produto/na-mesa-cabe-o-mundo

Isabel Furini é escritora e poeta premiada. Já estão abertas as inscrições para a oficina “Como escrever contos para crianças” no Solar do Rosário, fone (41) 3225-6232. Contato: isabelfurini@hotmail.com,

CONTO E CRÔNICA, GÊMEOS UNIVITELINOS?

Conto e crônica são considerados gêneros de fácil execução, por isso atraem os principiantes.  Em “O Livro do Escritor” (Editora Instituto Memória, 2009), ao analisar os contos, falei: “Escrever contos é uma boa opção para iniciantes. O trabalho conclui-se mais rápido. A ansiedade termina em pouco tempo. Isso pode criar a falsa ideia de que escrever um conto é uma tarefa menor: talvez insignificante. Critério errado. A estrutura do conto não é mais simples do que a do romance. É diferente. Escrever um bom conto é difícil.”

Mas afinal quais são as características de um bom conto? O conto, como qualquer texto ficcional, cria um universo paralelo. E esse universo deve ser plausível. Alguns dizem que um bom conto é aquele que o leitor lê sem parar, quase sem respirar. Um conto precisa de uma narrativa intensa, de tensão. No conto tudo se encaminha para o desfecho, o escritor não tem tempo de tratar de assuntos laterais. O conto é curto e condensado.

Cortázar dizia: “O conto está para a fotografia como o romance está para o cinema”. Mas o que é importante numa fotografia? Para fazer uma fotografia artística é preciso determinar vários elementos, entre eles: enquadramento, luz, definição, proximidade. Pois bem, o mesmo acontece com o conto. Exige enquadramento, ou seja, limitação do assunto, de personagens e de ambiente. Assim como um fotógrafo, o contista se pergunta qual será o melhor efeito, se deve iluminar mais a figura central ou iluminar um lado e deixar o outro às escuras. Qual ângulo dará a melhor perspectiva? Qual dará mais profundidade? No conto, a perspectiva do personagem e a profundidade que pode alcançar são elementos que enriquecem a narrativa.

E a crônica? Já foi considerada um gênero híbrido por flutuar entre a literatura e o jornalismo. A crônica tem pontos em comum com o conto. As duas são narrativas curtas. Além disso, a crônica também admite personagens, o que a torna muito semelhante ao conto.

Então, quais são as diferenças? Enquanto o conto admite enredos infinitos, a crônica focaliza assuntos cotidianos. O conto admite vários incidentes. A crônica, só um incidente. A característica marcante da crônica é o ponto de vista, a opinião, o comentário, elementos que o conto dispensa. Não é raro confundir os dois gêneros. Isso acontece muito e provoca longos debates em concursos literários. Porque enquanto alguns consideram que a crônica deve ser simples, tão simples que qualquer elemento enriquecedor tira a sua característica de crônica, outros acham que a crônica é um gênero oceânico, permite qualquer tipo de abordagem.

Desse modo, podemos concluir que conto e crônica não são gêmeos univitelinos. E o que exigem do escritor? O conto exige unidade, além de criatividade. Já a crônica exige o poder de observação. O cronista é um ouvinte. Ele escuta frases, fragmentos de conversas na rua, na fila de banco, no restaurante. Como falou Rubem Braga, o cronista olha o mundo com os olhos de um poeta ou de um bêbado.

Uma característica: os dois gêneros parecem fáceis de trabalhar. Como são gêneros rápidos, dão a falsa impressão de que é só sentar ao computador e é possível escrever crônicas e contos excelentes. Mas não é assim. Esses estilos requerem análise microscópica. É preciso, depois de escrever, trabalhar cada parágrafo, cada frase.

Como fala o aforismo: a crítica é fácil, a arte é difícil.
Isabel Furini é escritora e poetisa premiada.
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