A finalidade do blog é orientar futuros escritores, dar "dicas" para que possam aprimorar os seus textos.
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
CASOS AO ACASO - Novo livro de Benilson Toniolo
Tive a honra de prefaciar o livro “CASOS AO ACASO”, do contista e poeta Benilson Toniolo, publicado pela Literasas. O próprio leitor poderá perceber a fluência e o olhar do autor no conto que abre o livro – reprodução completa autorizada pelo autor:
A GALINHADA
Tudo começou porque a Laura, que não entrava na cozinha nem pra fritar ovo e não concebia o mundo sem uma cozinheira agregada às instituições familiares, resolveu preparar no almoço uma galinhada para a sogra, que em poucos dias chegaria de viagem. O Ednardo estranhou.
- Galinhada?
- Será que ela come?
- Bom, acho que come, não sei. Já vi mamãe comer frango de todo jeito, assado, frito, ensopado. Mas galinha?
- Pra mim é tudo a mesma coisa.
- Bom, isso sim. No mínimo, derivado. Mas não sei…
- Não sabe o quê?
- Essa, agora, de preparar galinhada pra mamãe. Você nunca foi disso…
- Fizeram uma outro dia, no escritório, e estava di-vi-na. Peguei a receita com a cozinheira e acho que consigo fazer. É tão simples, Ednardo!
- Não, quanto a você preparar a comida, tudo bem. A gente corre o risco. O que está estranho é você resolver fazer isso logo pra mamãe.
- Mas homem é tudo igual, mesmo. Uma hora você diz que sou antipática, não dou atenção pra sua mãe, não converso, não ligo pra ela. Quando eu resolvo dar uma inovada, acha estranho.
- Não, tudo bem, imagina. Estranho não é bem o termo. Diria… suspeito, talvez.
- Deixa disso, você me conhece. Sabe que sou assim mesmo.
- Certo, certo. Não, tudo bem. Assim mesmo.
***
- Galinhada? Sua mulher vai preparar uma galinhada pra mim?
- Pois é, mamãe. Não é ótimo?
- …
- Mamãe?
- Não sei, não, Nardo. Acho estranho. Sua mulher nunca foi com a minha cara, e agora vem com essa história de galinhada…
- Mamãe, você precisa ver a animação da Laura em fazer esta, digamos, homenagem pra senhora.
- Homenagem o quê, Nardo. Ela tá é de sacanagem. Inventou essa história pra me provocar, lembra aquela vez em que disse que me achava uma perua?
- Ela não falou isso, mamãe…
- Falou, sim, e logo no Salão de Beleza que eu freqüento. Mas caiu do cavalo, né? Nunca que ela ia adivinhar que eu sou cliente VIP daquele lugar, né, meu filho, e que as meninas me contam tudo o que acontece lá.
- Mas isso faz tanto tempo, mamãe.
- Para uma mágoa como essa o tempo não passa, Nardo. Eu que sei.
- Bom, mamãe, mas então é isso que eu queria te falar. Está feliz?
- Estou feliz porque vou estar com você e com meu netinho, e não estou nem aí pra galinha nenhuma. Nenhuma, ouviu bem?
- Também acho que vai ser maravilhoso, mamãe. Não esquece de ligar quando estiver chegando.
- Nardo, espera, deixa eu te falar uma coisa.
- Fala, mamãe.
- A Laura deu pra antropofagia, agora?
***
- Quanto eu compro de galinha, Nardo?
- Quê?
- A galinha, pra galinhada da sua mãe. Quanto eu compro?
- Depende do peso.
- Peso de quem? Da sua mãe ou da galinha?
- Pára, Laura, não começa.
- Brincadeira, ô, só pra te fazer tirar a cara de dentro dessa revista.
- Não faço a mínima idéia.
- Acho melhor perguntar pro cara do açougue, ou do supermercado.
- Laura, pelo que eu saiba, galinha se compra em avícola.
- Ednardo, em que mundo você vive, meu bem? Avícola? Avícola não existe mais, agora é tudo no Supermercado!
- Então vai no Supermercado, ué. E sei lá, compra dois quilos de galinha, talvez três, não sei.
- Com ou sem miúdos?
- Minha mãe gosta muito do coração de frango, compra com miúdos.
- Bom, neste caso é um miúdo só, porque galinha geralmente só tem um coração. Coração de galinha é igual a coração de frango?
- Deve ser, se são da mesma espécie, Laura. Vê aí, não sei quanto de galinha você vai comprar.
- Acho que vou telefonar e perguntar.
- Isso, querida, faça isso, ela vai adorar!
- Não pra sua mãe, Ednardo. Vou ligar pra cozinheira lá do escritório!
***
Um dia antes a mãe ligou dizendo que não poderia mais viajar, por conta de uma indisposição estomacal, e o médico havia recomendado, além do repouso, que ela não ingerisse frituras, sal em excesso e qualquer tipo de carne por tempo indeterminado. A Laura ainda tentou convencer o marido a viajarem até a casa da sogra e comer a galinhada lá mesmo, mas ele achou melhor não. Assim que desligou o telefone, o Ednardo foi até a geladeira, pegou uma cerveja e refestelou-se no sofá, sozinho, pra ver se descansava um pouco.
* Isabel Furini é escritora e poeta premiada, lançará o livro “Natal, viagens e fantasias”, em 12 de dezembro, 19 horas, no SESC Água Verde, Av. República Argentina, 944. Entrada franca.
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