Nosso entrevistado é José Domingos de
Brito, brasileiro, 60 anos, bibliotecário e colecionador de entrevistas de
escritores consagrados desde o início dos anos 1980. Brito é o criador do site
Tiro de Letra, os Mistérios da criação Literária. Organizador dos livros"Por que escrevo", "Como escrevo", "Literatura e jornalismo", "Literatura e ciência", "Literatura e cinema".
1)
Qual o critério para colecionar as entrevistas?
O único
critério é ser entrevista de escritor, particularmente, os literatos. Como sou
bibliotecário, minha tendência é ser exaustivo. Até escritor pouco conhecido
entra na coleção. Quem sabe, o cara fica famoso depois e eu já tenho suas
primeiras entrevistas. Dos famosos, o propósito é ter todas as entrevistas. Se
encontrasse algum patrocínio, gostaria de escanear todas e colocá-las à
disposição na Internet. Enquanto não encontro, vou colocando no site as que
posso, e já tenho lá um lote bem interessante de entrevistas do Guimarães Rosa,
Graciliano Ramos, Mario de Andrade, Érico Veríssimo, Clarice Lispector etc. Dos
estrangeiros, temos lá Julio Verne, Truman Capote, Hemingway, Garcia Lorca, Ezra
Pound e muitos outros.
2) Quando e por que começou a colecionar
entrevistas de escritores?
Foi em meados da década de 1970. Após um primeiro encontro
que tive com Darcy Ribeiro, em Lima (Peru), quis conhecê-lo melhor e passei a
procurar suas entrevistas. Reuni umas 50 e no processo de busca deparei com
muitas entrevistas de escritores. Como é um gênero que aprecio bastante, passei
a colecioná-las.
3) Brito o seu site é um verdadeiro
tesouro para os novos escritores que navegam nas dificeis águas da criação
literária com medo de naufragar. Como surgiu a ideia do site?
Quando minha coleção de entrevistas com escritores chegou a 2
mil, vi que a pergunta “por que você escreve?” era muito recorrente, e passei a
colecionar as respostas. Em seguida verifiquei que a pergunta “Como você
escreve?” também era muito freqüente, e iniciei outra coleção com as respostas.
Nos dois casos, o que detonou mesmo o inicio destas coleções de respostas foi
encontrar um livro francês, em 1985, intitulado “Porquoi écrivez-vouz”, editado
pelo editores do jornal “Liberation”, contendo mais de 400 respostas. Você não
imagina a minha surpresa e contentamento em encontrar tantas respostas de uma
só vez. Assim, publiquei, em 1999, “Por que escrevo?”, o 1º volume dos
Mistérios da Criação Literária, com o apoio da Secretaria de Cultura do Estado
de São Paulo. Poucos anos depois sou novamente surpreendido com outro livro
encontrado num sebo, publicado em 1937, intitulado “Comment ils écrivent”,
contendo 50 respostas à essa pergunta. Pensei: alguma coisa está me empurrando
para estas coleções. E assim, juntando com mais de 50 respostas que eu já
tinha, publiquei, em 2006, o 2º volume: “Como escrevo”. Mas, bem antes, em
1995, eu tinha um amigo com um site www.capivara.com.br
dedicado ao entretenimento e literatura.
Conversamos sobre a inclusão no site destas duas coleções de respostas e assim
foi feito, aumentando substancialmente o número de visitas ao site.
O meu site “Tiro de letra” eu só vim a criá-lo em 2007,
contendo estas respostas, bem como os depoimentos dos escritores sobre as
relações da literatura com outras áreas: jornalismo, cinema, política,
religião, música, psicanálise etc. O empurrão decisivo para feitura do site foi
o apoio que eu recebi, de novo, da Secretaria de Cultura para a edição da
coleção Mistérios da Criação Literária, em 5 volumes (1 - Por que escrevo?, 2 –
Como escrevo?, 3 – Literatura e jornalismo, 4 – Literatura e Cinema, 5 –
Literatura e política). Como incremento editorial,
acrescentei, além dos depoimentos dos escritores, uma ampla bibliografia sobre
os temas enfocados em cada volume. Hoje todo esse material está disponível no
site, além de informações úteis aos escritores e, particularmente, aos
iniciantes.
4) Você gosta de escrever? Sobre que
assuntos escreve?
Não sou escritor literato; não tenho o dom da imaginação
artística para criar personagens e situações, mas gosto de escrever.
Ultimamente venho exercitando essa prática através de relatos pessoais e familiar.
Mantenho no site duas séries memorialísticas: A grande família, um relato cronológico da história da minha
família (http://www.tirodeletra.com.br/contos/Cerimoniadeumcasamento.htm),
e outra: Biografia profissional (http://www.tirodeletra.com.br/contos/BiografiaProfissional-Capa.htm),
relatando todos os empregos que tive até agora. Nas duas séries eu assino
Cícero da Mata devido ao fato de não me assumir como escritor e, também, para
dar a impressão que o site não é feito por uma só pessoa. Com isso espero
estimular outras pessoas a mandarem colaborações para o site. Até agora não são
muitas as contribuições, mas têm vindo.
Respondendo sua pergunta, o que mais tem me envolvido no trabalho de
escrever é o caráter memorialístico. Gosto, também, de especular sobre a
criação literária, e tenho escrito alguns textos perguntando se Nietzsche foi
um literato-filósofo ou foi um filósofo-literato; se Glauber Rocha foi um
cineasta-literato ou literato-cineasta; se Darcy Ribeiro foi
literato-antropólogo ou antropólogo-literato e assim por diante com autores
como Gilberto Freyre, Sartre, Euclides da Cunha e Umberto Eco. Estas
especulações estão lá no site assinadas por Euclides Dourado, um nome que
arrumei para passar a idéia de mais colaboradores. O único texto que eu assino
com meu nome é o relato dos encontros que tive com Darcy Ribeiro nas décadas de
70, 80 e 90 (http://www.tirodeletra.com.br/contos/EncontroscDarcyRibeiro.htm).
Para não dizer que nunca me atrevi a escrever literatura, há uns 5 anos fiz uma
mistura de conto e crônica sobre a vida de um “Cão carioca” (http://www.tirodeletra.com.br/ensaios/Paixaocanina.htm)
e mandei para um concurso realizado pelo jornal “”O Globo”. Não fui
contemplado, o que me certifica que esta não é minha praia.
5) Seu objetivo ao publicar as
entrevistas é guiar os novos escritores ou, como bibliotecário, realizar um
trabalho para organizar o material de entrevistas para consulta?
Digamos que estas duas finalidades
se complementam. Como bibliotecário, quero dispor desse material ao público. É
um material publicado em jornais e revistas, que logo se perdem. Assim faço um
trabalho de resgate e divulgação mais ampla desse material. Porém, está claro que se trata de um tipo de
publicação muito útil para os novos escritores.
6) Pode citar
os títulos de seus livros preferidos?
Gosto muito do José J. Veiga, com
quem tive contatos e me correspondi na década de 1980 e 1990. Tenho todos seus
livros autografados. Gosto também do José Saramago, que, coincidentemente, foi
introduzido no Brasil pelo Veiga; das crônicas do Rubem Braga e das memórias do
Pedro Nava. Mas falando de livros preferidos, tem o Memórias de Adriano, da Marguerite Yourcenar; A sangue frio, de Truman Capote e as biografias de Chatô, de Fernando Morais e Garrincha,
de Ruy Castro. Como você vê aprecio o
estilo despojado de escrever, do escrever como se fala, da biografia, do
memorialístico, da grande reportagem. No momento estou lendo as “reportagens”
de Laurentino Gomes: 1808, 1822 e
aguardando 1888.
7) Entre os
novos autores quais estão se projetando
nacionalmente com mais força?
São tantos não é? Com a facilidade da Internet, os
blogs, a proliferação de oficinas literárias. Tudo isso vai resultar numa boa
safra de novos escritores. Mas tem uns que já estão se tornando conhecidos do
grande público, como o Fabrício Carpinejar, Daniel Galera e Marcelino Freire.
Temos também o Ronaldo Correia de Brito, que não é tão novato e lançou o excelente romance Galiléia (Alfaguara, 2008); o Marcelo Moraes Caetano, meu amigo e
colaborador do site, que vem escrevendo copiosamente em diversos sites e
atualmente é o ghost writer da Elke Maravilha (estão escrevendo uma biografia)
e o Jorge Fernando dos Santos, outro colaborador do nosso site, que também não
é novato e lançou recentemente a coletânea de contos Caminhante noturno (2010) pela editora Terceira Margem.
8) Das entrevistas que já leu quais
achou mais interessantes?
Todas as entrevistas publicadas pela
revista Paris Review e republicadas em livro pela editora Companhia das Letras
(Os escritores, 1988 e Os escritores 2, 1889). São mais de 30
“monstros sagrados” da literatura universal esmiuçados em longas entrevistas.
No plano nacional, temos as entrevistas comandadas por Homero Senna, publicadas
pela editora Civilização Brasileira (Republica
das letras, 3ed. 1996) e três volumes de entrevistas comandadas por
Silveira Peixoto nas décadas de 1930 e 1940, publicadas pela Secretaria de
Cultura de São Paulo. São mais de 60 entrevistas de quase todos os escritores
brasileiros importantes da época. No entanto, as mais interessantes são aquelas
de escritores que não gostam de dar entrevista, como Guimarães Rosa. Tenho 5
entrevistas dele, duas das quais estão publicadas no site.
9)
Qual é respostas dos leitores do site Tiro de Letra?
São as mais diversas possíveis. Tenho
recebidos apoios e elogios esfuziantes de apreciadores da literatura; pedidos
de endereço de escritores; propostas de edição de textos de escritores
iniciantes e umas poucas propostas de colaboração. Espero que com essa
entrevista o número de colaboradores se amplie.
10) Pelo que você fala, vemos que
o site é mantido só por você e sem patrocínio ou publicidade alguma. Diante
disso, quais as perspectivas de manutenção do site.
Pois é, do jeito que está não
pode continuar. Agora ando correndo atrás do lançamento do vol. 6 da obra
Mistérios da criação literária. Neste volume vamos enfocar as relações da
Literatura com Música. Estou apostando neste lançamento como forma de dar maior
visibilidade ao site e a obra. Vejamos se é possível. Mas em seguida vou
promover uma mudança no site, que hoje está parecendo uma "bodega
literária" de beira de estrada. Esta aparência foi proposital, mas
hoje vejo que está um pouco desorganizada. Temos alguns bons produtos que
precisam ser melhor expostos. Preciso encontrar um bom webdesinger
para me ajudar a fazer isto, mas esbarro sempre na falta de recursos. Como
bodega, preciso também monetizar alguns serviços para angariar
fundos. Vamos instalar uma "lojinha" para vender os volumes,
prestar alguns serviços e tentar conseguir alguma publicidade. Em
março o site completa 3 anos que está no ar, e precisa
ser profissionalizado para seguir adiante. Vejo que existe condições
objetivas para isso, pois conta com 15 a 20 mil visitas/mês. Por outro
lado, eu não sou propriamente um cara versado nas artes&manhas
da Internet e da informática. Sou aprendiz, mas vamos engatinhado com a
ajuda de amigos amantes da literatura. Enfim, esse é o ano da virada.
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